sexta-feira, 13 de março de 2009

Duas (hi)estórias no Egito

Vou postar aqui, dois textos do pastor Ricardo Gondim (página em "eu recomendo") sobre sua viagem ao Egito. Achei-os muito interessantes e gostaria de compartilhar com vocês:

Impressões do Egito
Ricardo Gondim

Escrevo desde o Cairo. Tudo me chama a atenção. As mulheres, escondidas sob véus negros, parecem monjas reclusas; os homens, fantasiados para uma festa de carnaval.

Rodopio. O tornado cultural me deixa tonto. Tento decifrar o que jamais entenderei completamente. Islam, quase onipresente, prevalece aqui. Noto que sou minoria – de novo. Destaco no meio da multidão. Não passo de um turista. Sinto-me frágil. Tenho medo. Estou infectado com a paranóia ocidental. A propaganda imperial grudou em mim. Pressinto que uma bomba explodirá na próxima esquina. Vejo terroristas onde não existem.

Perdido, não decifro o alfabeto que poderia ajudar-me a escolher as esquinas. Como é difícil lidar com novos cheiros, paladaraes e paisagens. Vejo-me no meio de uma cultura em que tudo me espanta, tudo choca, tudo fascina.

Visitei uma Igreja Ortodoxa Copta. O padre é uma mistura de Frei Damião com pastor evangélico. A igreja, iniciada no aterro de lixo da cidade, virou um centro de romaria. O padre Copta realiza uma belíssima obra para mudar a sorte de quem vive do lixo, no meio da mais profunda miséria. Seu ministério oferece um espaço de esperança e reconstrução. No Brasil, entretanto, uma mescla desse tipo jamais seria tolerada pelo status quo protestante. No Egito, seu ministério é celebrado como uma renovação carismática dentro da Ortodoxia Copta. Mas esse tipo de coisa é meandro de um mundo que só os crentes compreendem.

Aqui, participo de uma reunião de pastores e líderes evangélicos do Terceiro Mundo. Somos apenas 40. O fato de estarmos no Egito faz com que a reunião ganhe ares de conspiração. Uma conspiração que almeja ganhar o mundo.De novo, sinto-me meio estrangeiro entre meus pares. Abandonei a ambição de ganhar o mundo. Entendo que isso desestabiliza a alma. Magalomanias não fazem bem à saúde espiritual, roubam as âncoras da alma e sufocam a mente.

Medito. O que significa ser cristão no mundo atual? Como não existem vácuos no universo, Islam cresce em taxas vertiginosas em diferentes regiões do mundo. É a religião que mais se alastra. Séculos depois, os mouros "retomam" a Europa. A França iluminada não se conforma com burcas, mesquistas monumentais e tapetes estendidos para rezas.

Noto que os líderes evangélicos estão assustados. Com todo o planejamento gerencial, com todo o discurso triunfalista de que “Deus é por nós”, eles não entendem porque os seguidores de Maomé se multiplicam como cogumelo. Enquanto os evangélicos se embriagam com cultos à personalidade e tentam provar a autenticidade da mensagem com milagre, o fenômeno religioso do momento é islâmico.

Hoje, visitarei um mosteiro do século IV. Preparo-me para mais sustos.

Soli Deo Gloria.


No Egito, de volta ao passado
Ricardo Gondim

Entrei por uma porta estreita e baixa, descalcei os sapatos e vi-me cara a cara com a história. A capela esfumaçada, o chão atapetado, os pés descalços não me deixaram esquecer: eu estava no mosteiro de São Macário da Igreja Ortodoxa Copta, cerca de 150km de Cairo. Uma construção no meio do deserto. A experiência foi única. Viajei no tunel do tempo até o quarto século depois de Cristo (lembre-se, este é o vinte e um). A fumaça era incenso e meu olfato me ligava ao Divino - como cearense, gosto da idéia de “cheirar” Deus.

Acompanhado por outros pastores evangélicos, apertei a mão do monje Irineu. Um senhor de 59 anos de idade, que nunca faz a barba e que nos recebeu recoberto por um hábito preto; além do barrete preto, ele ainda usava véu. Irineu tem PHD em farmacologia. Entrou para vida monástica há mais de trinta anos e durante todo esse tempo nunca colocou os pés do lado de fora - não tem contato com o mundo, com a mídia ou com qualquer amenidade secular.

Com a missão de orar e trabalhar, Irineu cuida da impressão dos livros que seus irmão monjes escrevem sobre espiritualidade, história e teologia.

Os coptas (copta significa egípcio) acreditam ser discípulos do evangelista Marcos. O monasticismo egípcio teve origem bem antes das tradições monásticas católicas. Na época das perseguição que os cristãos sofreram na Alexandria, alguns homens entenderam que deviam preservar a fé, refugiando-se no deserto. São Macário, influenciado por Santo Antônio, por volta do ano 340 AD, assumiu a direção de um desses refúgios. Para que a fé não se corrompesse, Macário fez voto de viver em absoluta solitude (a raiz mono em monasticismo significa vida só).

Perguntei a Irineu, como era seu dia. Falando baixinho, contou que todos acordam as 4 da madrugada e oram até as seis. Tomam café da manhã em silêncio. Trabalham nas hortas, pomares e criação de ovelhas e vacas leiteiras. Almoçam em silêncio. Oram por mais duas horas. Estudam ou trabalham até às seis. Depois todos se trancam nas celas e jantam (ou não) sozinhos. No dia seguinte, a mesma rotina.

Alguns pastores que acompanhavam a visita franziram a testa. Outros se mostraram indignados com a falta de envolvimento dos monjes com as necessidades do mundo. Incenso escandalizou os mais intolerantes. Mas eu me extasiei com a visita. Como não me impressionar com uma página importante da fé cristã? O legado desses homens preservou documentos vitais; devemos a copistas, estudiosos e místicos a continuidade da mensagem de Cristo na época da corrupção dos cardeais e dos papas. Época dos pelegos da fé.

Na capela onde 49 monjes foram trucidados, lembrei-me que o ramo "protestante-fundamentalista-evangélico-pentecostal" que me formou tem pouco lastro, menos de 150 anos. O mosteiro de São Macário sobrevive há 1500.

Irineu largou emprego e família, trocou de nome, fez voto de castidade e de pobreza. Todos os dias lê a Bíblia e se coloca na brecha da intercessão, suplicando a Deus para que não deixe o mundo despencar na sarjeta. Não sei se teria coragem para fazer o mesmo, portanto, não posso criticá-lo. Na despedida, pedi que me incluisse em suas orações, pois eu é que sou miserável, cego e nu.

Soli Deo Gloria.

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